quarta-feira, 4 de março de 2009

epifania

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Eu queria te dizer que acho que você nem gosta mais de mim. E mais ainda que mesmo assim eu gosto de você. De uma maneira que eu nunca entendi e suponho que nunca vou entender. De um amor - amor? Tão homicida que despedaça tudo o que existe dentro e fora de mim. Não pós, mas pré-fim, ou melhor, durante.
Queria te dizer que você tem o motivo errado, eu me confundo e não sei por que. Que algum poder magnético te faz de ferro e me deixa imã, bloqueada por infinitas barras de vidro cintilante. Consciente e perdida. E cada vez com mais medo.
Medo que contorce todos os meus reflexos, enrijece meus músculos, borbulha meu sangue. Medo de apodrecer aqui nessa cidade perdida, de me perder no meu corpo partido.
A cada baque do relógio imagino se o tempo fará seu trabalho sozinho. Amanhã faz sol, e depois chove, e abre um arco-íris efêmero e tudo está bem. Outro baque, novo dia ameaça. Não consigo acreditar em ideal nenhum. Já faz mais de um mês. Um mês de deci-mili segundos procurando traduzir o que nunca serei capaz, de decepções ridículas pelo que poderia ter sido e não foi, de goles de realidade me encurralando em alguma antes curva velha, agora beco imundo e sem saída.
Não sei encarar. Cambaleio em doses homeopáticas de anestesias e tranqüilizantes para que fique tonta, cega. Não quero ouvir, e viro surda também. Para todas as verdades tão novas que já foram repetidas. O dualismo mascarado que tenta me arrastar para cima.
Você me deixou aqui. Abandonada, desesperada e perdida. Sozinha com meus demônios trancados a sete chaves. E como se me torturassem, cada uma gira silenciosamente, sem avisar quando estará mais perto. Nada tenho senão esperar mil monstros imunes à minha surdez, visíveis aos meus olhos, obrigações fatais.
Perdi as armas, você me mata e eu me deixo morrer. Insisto no fim mais doloroso que consigo inventar, pra que dure muito, nunca acabe.
Então os papéis derretem, e o culpado irrefutável se confunde. Eu me deixo morrer.
Eu, sempre eu.
Olho no espelho e não reconheço. Quero quebrar em todos os pedaços o estranho você que aparece em meu lugar. Não consigo aceitar minha auto-sabotagem, masoquismo irreparável, tudo que nunca quis e, enfim, concluí. Sem ingenuidades residuais. Com um surto de personalidades perdidas, me apunhalo sem nem perceber, salva apenas pelo estranho à minha frente, que gira sadicamente o metal na minha barriga. Bato no espelho, sangue nas mãos e no rosto. O que, por deus, aconteceu?
O medo de minha loucura me faz querer ir embora, mas a sujeira em minhas mãos não me deixa correr. Você não tem mais nada a ver com isso.
Meu corpo se duplica em estratégias que não lembro de ter criado. Triplica, multiplica, inventa vozes, táticas em um jogo único de plenos fracassados. Eu contra mim, depois de depressões incontáveis me engolindo vorazes, me convencendo de que era eu contra você.
Meia noite em ponto. Um raio brilhoso pinta o céu todo negro de um branco estranho. Um click em minha mente, à verdade que se anuncia.
Não consigo me recordar de nenhuma dose de amital-sódico me deixando em estados semi-hipnóticos, mágicos, paralelos, para manipular minha memória inventando a que não existe. Nunca existiu. Você não tem mais nada a ver com isso.
Guerra declarada, respiro fundo, abro os olhos, destapo os ouvidos e morro frente aos mil demônios impiedosos, voando livres, fazendo dançar suas palavras cruéis, lentas, calmas e determinadas, que entram em meu ouvido estraçalhando tudo o que encontram. Me despertam. Me dão incontáveis tapas na cara, deformam meu rosto que ironicamente cada vez mais volta a parecer com ele mesmo. Esfregam silêncios guardados tão bem quanto eles, me libertam. Me arrastam pra cima do poço sem fim, e mesmo feios, cruéis e tão reais, me deixam ciente de que um dia eu irei reencarnar. Para uma nova vida, sem suicídios, homicídios, homeopatias, tonturas, cegueiras e surdez. Sem estranhos tomando o lugar de meu reflexo. Me desejam boa sorte e vão embora para sempre.
Esse é só o meu começo. And you are free to go. Goodbye.


'Nesse sentido, ciclo seco é forte, porque nada vindo de fora o abala, e imutável, porque de dentro nada vem que o modifique. E sendo assim, com alívio vou quase concluindo, pode se deduzir que. Não, não se pode deduzir nada. Só que passa, por ser ciclo, e por ser da natureza dos ciclos passar. Até lá, recomenda-se fazer modestamente o que se tem a fazer com o máximo de disciplina e ordem, sem querer novidades. Chatíssimo, bem sei. Mas ciclo seco é assim mesmo. Todo mundo tem os seus, é preciso paciência. E contemplá-lo distante como se estivesse fora dele, e fazer de conta que não está ali para que, despeitado, vá-se logo embora e nos deixe em paz? Eu, francamente, não sei'

2 comentários:

disse...

eu lendo teu post e a voz da maysa tomou conta do playlist... :P

"Sei que você me entendeu
Sei também que não vai se importar
Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar"


te cuida, mil :*

Anônimo disse...

A melhor coisa que li nos últimos tempos, de fato meu bem.