sábado, 7 de março de 2009

A Flor

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Semana passada vi a flor mais bonita que existe no mundo. Não só era a mais bonita, como tinha um perfume que me deixou bêbada, cores absurdas, cegantes, magnetizante da raiz à última pétala.
Eu sei que é engraçado encher de adjetivos pomposos algo que mal cheguei a sentir o gosto de corpo e alma e, distante, olhei por poucos minutos. Também não tenho como provar para o resto do mundo que ela era realmente tudo isso que aqui digo e, mesmo que reencarnasse em Michelangelo, Rembrandt, Van Gogh não seria fiel à realidade.
Fato é que quero me dar uns tapas até agora porque não sei qual o nome da rua em que lá ela se exibia, trazendo todo o sol e qualquer outro raio luminoso escondido só para ela, como holofote atrás de estrela. Não lembro do número da casa onde estava segura e fixa em um vaso que sequer vi, não sei nem mesmo se foi aqui em Porto Alegre.
De qualquer forma, ela brilha em minha cabeça de uma forma que me faz querer gritar. Me hipnotizou, a flor. Arrancou e mandou para longe todas as coisas que impedissem meu campo de visão, escancarou, embora imóvel, que eu não poderia olhar para nada a não ser ela.
Com meus olhos ardendo, não me senti ao menos digna de chegar mais perto. Tocá-la então, ousado demais. Olhava de cantinho, como quem sente medo de abrir os olhos completamente depois de ter passado séculos no escuro.
A flor resumia com perfeita exatidão tudo o que existe de completo. Ela era tudo, tudo era ela. Resumia o mundo em um relance de milhões de cores, sensações. Carregava dor, paixão, plenitude. Tinha a cara cansada, de quem espelha experiência, mas a aura jovem, nova, enérgica. E não sei ao menos seu nome. Tampouco me atrevi a inventar apelidos ordinários que pudessem manchar sua perfeição quase inanimada. Era só A Flor. Em maiúsculo.
Estranho é que faz sete dias seguidos e ininterruptos que sonho com ela. Vejo outras, centenas, milhares, imensidão de irmãs - primas, amigas íntimas - mal consigo ver onde terminam e fico tomada de paixão. Me vejo intrusa entre todas elas, imóvel, lágrimas nos olhos, emoção borbulhante. Quero ser parte de tudo aquilo e não consigo. De qualquer forma, torço para que o sonho dure para sempre.
Acordo sempre com a mesma sensação de paz e desespero. Não abro os olhos devagar, e sim levanto meu peito como bala de canhão, com seus freios inundados de óleo que me impedem de ir devagar. Encantada e com medo.
Tenho pena de mim, sozinha e, noite após noite sem conseguir me encaixar - mesmo que tente, esforce até sentir dor - frente àquela beleza cegante. Pena da Flor, tão exuberante como solitária, não merecedora de nenhum reles mortal.
Passo horas tentando teorizar sobre a confusão que a maldita-sagrada me causa, encontrando uma explicação inventada, que possivelmente é equivocada: Todos nascemos flores, não tão bonitas, nem tão cheias de alma e cor, apenas flores, em minúsculo. Alguns de nós, porém, começam a sentir a tinta pingando por todos os cantos, perfumes que jorram e fazem cambalear de prazer, raios infinitos destinados a nos encontrar. Viram Flor. Por que eles? Não sei. Talvez tenham encontrado algo que ainda não encontramos.
Pensando nela, penso também no maior Amor que consigo imaginar. Outro que, imutavelmente, aparece em maiúsculo. Sempre os aproximo do mesmo sonho, talvez o único lugar onde sejam possíveis.
Fato é que Amor e Flor nasceram para serem imortais, para seduzirem e aterrorizarem todos os que se atrevam a dar as caras perto de suas ruas, pararem na porta de suas casas, se sentirem não dignos de seu esplendor. Mais certeiro ainda, é que seus endereços são sempre sagrados, escondidos, e que eternamente teremos que nos atirar frente à becos inóspitos, quadras escuras, esquinas perdidas com a fé desesperada de os encontrarmos por acaso. Para ficarmos inebriados de idealismo, fazermos parte daquilo que nossa vida nômade e cética normalmente tenta nos convencer de que não existe.
Mas vamos esperar por mais. Muito mais. Mais do que qualquer dia achamos que fosse possível, mais do que nossa falta de Algo possa tentar nos influenciar.
A Flor me trouxe esperança, derreteu meu coração já gelado frente a desgraças, erros e quedas. Sei que ela é real, tenho certeza de que provavelmente não a verei de novo, mas ainda tenho sua imagem brilhando cada vez com mais força, e ainda acordo com o mesmo peito que pula rápido e descontrolado. Mas vou tentar perder o medo. A Flor é perfeita sim, e eu sou carne, osso, víceras. De qualquer forma, ela apareceu para mim, e imagino existirem outras (e outros), várias, em algum lugar que nem imagino. E nem quero, só sigo acreditando. Na minha Flor, no meu Amor. O que me faça abrir os olhos tranqüila, depois de um sonho em que faço parte do intocável e pleno. Que arda, mas não machuque. Que pulse forte, sem arrebentar. Que seja o mais bonito do mundo, com perfumes que me deixem bêbada e cores que me ceguem. Que me magnetize. Que eu prove de corpo e alma, por incontáveis minutos.
E que exista, só peço que exista.

'Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida. Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor, caro colega, esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.'

4 comentários:

Anônimo disse...

inebriante

Unknown disse...

A Flor é a tua alma e o Amor tua inspiração.

Ricardo Leitão disse...

Tão feliz aquele que encontra a mais bela flor. Mas se és tão esperta quanto és bonita, sabes que a flor mais bela não apenas o é, como também assim deve retribuir o sentimento, para não perder o brilho.
Se fosse eu, profanaria tal relicário e cometeria o opróbrio de tomar essa flor só para mim.
Mas afinal, nem mesmo sabe o endereço... Adeus. Deus sabe quando se verão outra vez. Pelas veias me passeia um medo frio e lânguido...

Tomará que essa flor realmente exista.
Beijos

disse...

é essa voz de dentro que me encanta.