terça-feira, 30 de dezembro de 2008

des-ESPERO.

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Você já não me quer mais. Disse assim, baixo e confuso, não pra quem quisesse ouvir, mas eu escutei bem.

E caminho, caminho, a estrada é longa, sabe, mil esquinas temos por aí, sabe que gosto delas. São o encontro. O encontro de alguém. Quem sabe o nosso - somos alguém?
É que é tão, mas tão triste continuar caminhando sem acreditar. E não conseguir parar, mesmo que tente, ou tente tentar, ou finja tudo isso encontrando uma maneira de nem tentar mais. Ter medo de perder o que não se encontra ou morrer por esquecer o que está morto. Falar tão errado, sabe, tão feio, fingido. Tentar fazer com que tu te apaixones pelo que não sou, porque não funciona mais ser quem eu sou. E invento formas de tu seres outro também, te encontrando onde não existes, te suplicando em corpos que não são o teu.
Sabes que procurei tanto, incansável e crente - entre horas eternas - ou tu, ou eles que fossem tu, e descobri mil amores que não amei, e que também não consigo. Porque vejo tudo. E tudo existe para que eu veja. Porque eu senti, antes que pudesse recuar, negar, expulsar. E agora é tarde, amor, me atrevo a te chamar assim, me desculpe. Porque enxergo só a alma. E a tua me chama, como nossos olhares antigos, pedras sagradas, que nunca esqueceram de me gritar.
Fica em silêncio no meu silêncio e te tira de mim. Ou me agarra com tua força bruta doida de êxtase incontrolado. Eu não agüento não saber se te amo ou me amo demais. Me desintegro pelos cantos em que tu pisaste, procurando um resgate sem nenhum reforço. Estou despedaçando. E sinto a tua falta em todos os lugares em que não estou. Porque só queria estar em ti.
Sinto, sinto quando paro entre tantos movimentos que tentam me fazer não sentir. Mas eu respiro, bebo, mato a minha fome dessa falta, deito nela como quem deita na grama verde-fria e estranhamente confortável. Eu sinto a tua falta porque a lembrança existe, e lidar com o passado só é fácil-bom quando ela não está mais lá.
Não me diz que você quer que eu supere um entre fins tão bonito assim. Não me diz que não vê o tanto de lindo que é meu rosto inchado procurando o teu rosto pra ficar colado como super bonder sem segunda opção.
Ah, não me deixa apodrecendo pela madrugada que se arrasta sobre mim. Invento personagens que nunca serei. Hobby desesperado, viro princesa dama atriz pra passar o tempo. Sou mil por noite - um minuto no relógio - mas sou sempre metades.
Minha sujeira foge da minha paixão pra que contigo seja pura, nua, crua. Me desculpe por ser humana, imperfeita pros teus desejos, exigências, expectativas. Me apresento novamente como deusa impecável. Passa mais um minuto.
E você já me disse o quanto eu estrago tudo o que não podemos ser tentando assim te convencer de que nós podemos. Mas o meu descontrole é imune às leis, tabus, cartilhas. Não tenta me explicar o porquê de tanto não, persuasão burra me chamando de imatura porque não mando mais em mim. Se eu pudesse nunca mais mandaria flores, olharia pra cima e faria pedidos, ou relembraria fotos fatos e tuas feições de homem criança, eu nunca mais pensaria que tanto foi.
Eu penso, penso porque sinto, porque sinto tão forte que nem com esse monte de água fria que tu despeja na minha cama eu consigo te tirar de cima dela nos meus sonhos. Pensar não adianta. Eu não sei ver o que não existe.
Quem sente é burro, ‘Quem não ama fica rico’. Eu sei, eu sei, mas tu não entendes que eu não consigo? Não posso, não quero, viro perseguidora boazinha, que só encontra pra encontrar. Final feliz.
Já deixei de saber. Tu não entendes que tu é a salvação perdida de todo o meu ócio de agonia, ela em casa, à vontade sentada tomando o teu lugar?
Odeio esse vazio melado que fica me colando em cada batida de sol. Mas é tão pior poder ver que a culpa não é tua. Não quero enxergar. Rezo pra tua alma, suplico ao meu controle, preciso de um culpado. Odiando tudo é fácil. Quero respostas, saída. Um dia lindo, a calmaria distante, morte da saudade que esmaga minha cabeça tentando gritar o quanto eu não posso descobrir.
Estou condenada. A uma verdade que não existe, a uma resposta que não me deram, a um destino que escolhi. Uma avenida bifurcada atropelando sinais vermelhos. Explosões. É só dar a ré, não vê? É tão mais fácil que tu voltes. Sei que sofrer é importante, e dizem que viver é mais, então, deus, é tão mais fácil que tu voltes.
O presente não existe, o passado a sete palmos, temos todo um futuro. Temos sim. Acredita nas minhas palavras pobres, de quem força fonemas bonitos até a última gota. Existe algo aqui. Existe um pedaço de ti, querido, que nunca morre com meus outros pedaços. Tu nunca estiveste tão vivo.
Suspirando entre desgastes, me agarro ao que restou, de mim louca perdida, de ti mocinho de cinema, de nós na última cena. Nos meus devaneios, delírio seguro, cruel suicídio, no único lugar onde ouço assim, alto e claro, e pra todo mundo ouvir: você ainda me quer. Mesmo que só em mim, dentro de mim, de mim para mim.


'Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se em símbolo sem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente.'

domingo, 21 de dezembro de 2008

Eu, eu também.

É terrível. A fragilidade de tudo isso, catastrófica. Andei assistindo a alguns filmes depressivos, acho que alguma parte de meu inconsciente precisava vazar por algum canto, borrando meu rímel de uma forma quase poética. Não esperava encontrar medos, angústias, agonia insuportável, coisa não do presente, isso que assusta: possibilidades - que espero, perdidas - do futuro.
Não choro por ti, ou por mim, pelos meus desejos perdidos, meus sonhos que já estão a dormir. Choro pelos outros. Que egoísmo esse o meu, não é mesmo, querer tanto libertar meus demônios, que preciso recorrer aos alheios. Fiquei com um pouco de raiva por isso, ao mesmo tempo em que percebi o quanto estava bonita a imagem do olho borrado no espelho. Patético, essa sensibilidade triste, risível na mais clara tragédia. Juro que se acontecesse algo assim comigo, como no filme depressivo, de ficar presa em meu próprio corpo - sem prazeres carnais, pecados forçados, saídas abertas para recorrer - não suportaria muito. Engraçado que o que me soa mais íntimo desde que respiro seja minha mais cruel prisão. E sei que a de todos.
Talvez por isso o álcool, cigarros, a própria voz pra dividir ou ao menos gritar para um simbólico inseto existente em algum canto. Ninguém sabe conviver consigo. Ninguém quer a demência de si. Todos roboticamente buscando uma suposta auto suficiência que expulsam em cada tentativa de diversão, amizades, controles remotos, música, três dois quatro meia zero sete - deixe sua mensagem após o bip - tu, tu, tu etc.
Porque somos todos burros, burros e cegos, cegos e fracos, de nem tentar entender o que procuramos. Nem ao menos sabemos o que é a busca, só nos move o instinto incessante de buscar. Explica-se aqui, o porquê de esse pavor ser tão risível. Lidamos com a mais descartável e perecível identidade. Nós. Frágeis, terríveis, burros e cegos. E sempre à procura de algo que não reconheceremos quando encontrarmos.
Tudo isso só serviu pra me dividir em dois pedaços, que por sua vez fizeram com que eu me sentisse enjoada, de mim. Fútil, foi a primeira que apareceu. Imatura, a segunda, tentando me acalmar. Humana, a terceira opção, encontrando o mais hipócrita otimismo que devo carregar aqui.
Enfim, fiquei agradecida. Por subir as escadas, pegar meu copo de água, ir ao banheiro sozinha, lembrar que eu também era capaz de tomar banho sozinha e fazer qualquer outra diversão particular sozinha. Sentir dor, estava tão bonito o sentir dor. Adorei o band-aid com aquela cor sem-graça descolando da minha pele. Adorei o corte na minha perna onde fiz questão de passar a mão. Eu podia sentir tudo.
É engraçado como nós mudamos prioridades fixas e concepções universais quando a batida de uma tragédia aparece como uma possibilidade. Pode. Não vai (não se pode esquecer a certeza imutável do poder do pensamento), mas é possível.
Sorri sozinha por poder jogar tudo o que eu penso nesse tictac e não estar limitada às minhas memórias e criações intangíveis. Eu podia fazer o que quisesse, eu estava inteira, e eu conseguia gritar para qualquer inseto que eu ousasse escolher. Essa foi a parte um, a que não me incomodou tanto. Digo tanto, porque é sempre ruim quando a gente percebe que as coisas terríveis são possíveis, mas não é o pior já que ainda não aconteceram.
A parte dois, fútil, imatura e humana, foi que eu não conseguia parar de pensar em ti. E de como é uma grande merda essa necessidade de estar longe para que tu sinta a minha falta, ser ríspida pra que tu exija um beijo – mesmo que não passe do papel, não ligar pra que tu tenha essa vontade. Não sei se fiquei irritada, se era saudade, medo, mas era a tua imagem que vinha na minha cabeça quando eu pensava naquele Pode. Por que não queria meus pais, amigos de anos, atores famosos, ídolos, anjos? Eu te desejava como quem afunda agarrado ao seu último suspiro. Eu ainda precisava de ti. E por mais que lutasse, tentando me prender à minha auto-suficiência expulsa, inventando um motivo para qualquer dessas buscas irritantes, mesmo assim eu estava presa. Eu me sentia - gritando pelos cantos, correndo pelas escadas, servindo minha própria água - completamente paralisada pelos meus sentimentos. E agora tu deves entender por que me senti tão mal. E não quero te contar toda essa história boba para que tu te sintas culpado, ou obrigado a me entender, ou sentir o mesmo que eu. Eu só queria te mostrar o quanto isso é traidor. Meu pensamento, sabe. Ao mesmo tempo em que tu serias meu primeiro pedido de conforto caso eu estivesse paralisada por fora, me faz sentir plenamente imóvel por dentro. E fui capaz de comparar toda essa coisa mágica e cruel que tu faz comigo com uma história terrível de um homem fardado ao destino de seu corpo e sua cama, excluído de qualquer sensação ou comunicação em seu mundo possível. Essa era a parte dois, com sua primeira opção – abandonemos a hipocrisia.
Me faz mal - embora não falsa - minha mente, dividida nesse triângulo básico, mandando o reward e repetindo o ciclo a cada segundo anunciado como significativo. Tristeza, agradecimentos, e como remeter isso a ti. Essa coisa totalmente fora do meu controle de relacionar o mais irrelacionável. Como eu agiria, tu daria uma daquelas gargalhadas bonitinhas, cantaria um daqueles pagodes insuportáveis – que eu tanto gosto, e se eu começasse a sussurrar Caetano sairia a reclamar da minha voz desafinada. Eu pouco me importaria. Estaria hipnotizada pelo desenho da risada, o cheiro, o gosto que ela tinha em minha boca. Cantaria mais. E como ela posso pensar em diversos outros tiques, manias, rotinas, que nem sei se são lembranças escancaradas ou desejos desesperados. Mas existem, dentro de mim. Te olhar não é o mesmo que te lembrar e te inventar. Por isso me desespero ao perceber que de nada adianta minha liberdade física. Estou limitada às minhas memórias e criações intangíveis, presa a minha cama de saudades e meu corpo de criações. E sem conseguir me comunicar com ninguém. Sou paralítica do teu amor. E foi só então que percebi que não chorava pelos outros, ou pelas possibilidades que não irão acontecer. Eu vivo elas, e choro por nós.

'Não muito confuso, assim confrontado com sua explícita incapacidade de lidar com. A palavra não vinha. Podia fazer mil coisas a seguir. Mas dentro de qualquer ação, dentes arreganhados, restaria aquela sua profunda incapacidade de lidar com. Você me ama pelo que me mata. E se apunhalo é porque é para você, para você que escrevo - e não entende nada.'

domingo, 7 de dezembro de 2008

please, save me the waltz

Decidi tanto que era você quem eu queria, repetindo inúmeras vezes que não iria parar, não iria te deixar ir embora, iria insistir até que você percebesse. E se não percebesse, tudo bem, não faz mal. Então eu seria sua para sempre, mesmo com você sendo de outro alguém. E ninguém nunca iria te amar como eu te amo, ou entender teus olhares complexos, tua mente se restringindo a cada palavra doce, tua fúria crescente com perguntas sem resposta.
E você, que pensa até antes de respirar, e o faz até melhor do que respira, iria lembrar de mim em algum momento, num relance infantil em que na tua consciência aparecesse um simples segundo petrificado, feliz ou triste, mas de quando éramos um Nós. Aquele amor puro que eu achei que sentia, aquela coisa qualquer, mas incondicional, que tive algum dia, tudo aquilo me fazia decidir que eu não poderia nunca mais ser mais nada daquele jeito para ninguém.
E os álbuns antigos, silenciosos e esclarecedores, munidos de olhares que gritavam ‘eu te amo’, ‘esse mundo só é grande porque eu encontrei você’, ‘te olhar é o suficiente’. Tudo aquilo me deixava suficientemente pronta para o tanto Não que viria cada vez mais freqüente. Te olhar era o suficiente.
A minha projeção perfeita, o montante de certezas consolidadas de uma forma que me diziam sim – você é o meu silêncio, me cegaram para a totalidade de outros sons que pudessem aparecer.
Descobri um jeito de expulsar a ínfima melodia que tirasse tua música de minha cabeça, ou aquela que eu inventei ser a que queria. Todos tinham defeitos, qualquer deles seria insuportável. Se antes amigos, tudo corria bem – preocupações inexistentes, palavras hábeis, olhares divertidos. Se depois amantes, era anunciado o caos – o mínimo seria motivo de ter nojo, nojo de não querer ao menos o pré-instante, nada antes de tudo falir.
E assim chegavam verões, um após o outro, eu mantendo contato, tu me deixando na posição que soasse a mais confortável. Sem respostas definitivas - era sempre muito cedo – cedo da manhã, do mês, do ano, da vida. Eu, inundada pelas promessas vagas, desnorteada com a falta de definições, aceitava as interrogações espreitando na tua porta, atrás de um Sim ou Não de verdade.
E assim tu me prendeste à tua pessoa. E assim eu me prendi a tal eternidade efêmera. Depois de um tempo, já nem munia mais certeza se tudo aquilo era real, na ironia de minha razão que definia a parte mais bonita de nosso conto como a minha pura ficção. Tu não corresponderias a tanto tempo de expectativas criadas, eu não agüentaria todo o meu sonho escorregando por madrugadas diferentes das inúmeras que sonhei.
Eu torcia, implorava por um futuro que me trouxesse outro, outro que fosse tu, tu quando me amou. Ao mesmo tempo em que meu desejo se perdia: será que seria capaz de colocar outro em teu lugar? E se sim, suportaria a pressão de mais uma promessa que não existe?
O amor está fardado à decepção, à imperfeição humana. Queria que fôssemos deuses, anjos, pura alma, desprovida de mágoas, responsabilidades, curto tempo. E é por isso que te escrevo, para satisfazer a mim. Buscando na consciência impulsiva de minhas palavras um algo que meu eu racional não é capaz de encontrar. Uma saída, mesmo que ela não exista.
Pois não sei mais como agir. Tenho todas as cartas na mão, em algum idioma estranho que não entendo. Está tudo em branco, querido, e todas as perguntas se ordenam, rindo do meu esforço como quem diz ‘não temos respostas’.
Tenho muito medo. Medo de enlouquecer, medo de esquecer. Que decisão posso tomar, quando a lembrança de meu maior prazer é melhor amiga do motivo de minha fúria? Estou condenada a mim enquanto tu existir, como se te adonasses de meus pensamentos enquanto não tivesses meu corpo e guardasse, intransferível em ti, qualquer pedaço de minhas vontades. Manipulando-as assim, me teria para sempre, no momento em que quisesse ligar - se sentisse sozinho, carente, abandonado pelo resto do mundo que não é preso a ti como me faço ser.
E fantasio, porque preciso de algo certo, e a certeza é proibida para ti. O mais concreto que posso ter são minhas criações. Sei que minha resposta, por ser minha, está em mim, e que te procurar para resolver meus dilemas é tão covarde quanto ter vergonha do que sinto.
Me descubro muito fraca quando percebo que tua imagem me bloqueia, que não traduzo as línguas estranhas, que me limito à tua existência. Qualquer muralha tem rachaduras. Qualquer castelo de areia é destruído com uma brisa. Eu despedaço com tua voz. A mesma voz que me diz coisas que finjo não escutar me leva ao êxtase simplesmente por dizê-las.
Mas para além de tudo, te agradeço por seres tão assim, ser transcendente da carne e do osso nesse mundo limitado a prazeres carnais. Eu agradeço porque tu me fazes sentir – suprema raridade – mesmo que tudo seja feio ou desesperador. E, assim, me desespero a descobrir que sou só mais uma daquelas pessoas que estraga as possibilidades por amá-las demais. Mas não tenho culpa se a vida ferve em mim, se nossa vida borbulha entre tantas vidas que deixamos pelo caminho.
Me dói esse tanto tempo que perdi, dedicada a algo tão unilateral, recebendo em troca o consolo de que ainda não estamos prontos. Nunca estaremos. Ninguém se torna completo para demonstrar seu amor. Não é o amor, em sua forma mais honesta, que deveria nos completar? Ou será que todos aqueles poetas eram falsos discursistas, munidos apenas da esperança de reconstruir um sentimento partido? Séculos de Shakespeare, Neruda, Vinícius, são só combustível para que eu sofra mais?
Ou talvez você simplesmente não seja a pessoa certa, e acho que nem sequer pensei nessa alternativa - nunca me atrevi. Estava sempre tão entorpecida de ideais estabelecidos, fracassos físicos, memórias mórbidas, que não me senti digna o suficiente para, com uma frase de poucas palavras, destruir tudo o que compus tão metodicamente.
Derrubei o espontâneo, espantei o novo, atrasei o futuro. Confiei em um destino criado solitariamente, naquelas idéias clichês de que quem escolhe sua vida é você mesmo. Talvez eu tenha escolhido sofrer e chorar, sentar e esperar, jogar o meu jogo de defeitos insuportáveis.
Mas vou ser sincera com você, mesmo que tenha tentado enfileirar esses fonemas incontáveis vezes, dessa vez eu não busco nada, eu só quero é ser sincera com você: acho que voltei a pensar. Tinha desaprendido o dom dessa arte, por medo, vontade, fé. Mas meu coração, por não suportar, enviou novamente teu contexto à minha cabeça, reiniciando todo esse processo de entender.
E se entender, vou desistir. Vou ler as cartas em branco, vou encontrar as respostas que me traziam tanta luta. Elas irão me trazer fuga. Eu sei, tenho um longo caminho para suportar, mas já readquiri minha consciência. Bêbada, mas existente.
E então te suplico pela última vez, enquanto ainda estou confusa, enquanto posso dizer Sim, enquanto não atravessei a rua: me traga um Sim, ou um Não, me dá a paz de tuas respostas, me faz te lembrar com uma certeza, ao invés de te esquecer com um leve Talvez.


"Estou tão desintegrado. Atravessei o resto da noite encarando minha desintegração. Joguei sobre você tantos medos, tanta coisa travada, tanto medo de rejeição, tanta dor. Difícil explicar. Muitas coisas duras por dentro. Farpas. Uma pressa, uma urgência."

we see things they'll never see

Estou sentindo muitas saudades daquele sábado. Ainda que o dia nem estivesse tão feliz – em que pese não chovesse – posto que o calor, em ápice de sua intensidade – fazia a sádica questão de penetrar no mais profundo de cada e todo pedaço de pele sobre mim. Era intenso. E doía.
Ainda assim, o brilho cegante do céu em nada escuro desafiava os olhos mais corajosos. Queríamos olhar, não tínhamos medo. Então saímos em meio à multidão nervosa que se amontoava por dentre os corredores do ambiente lotado. A música, ainda que boa, transcendia o existente lá fora, na grandiosidade de luzes formadas pelos incontáveis pontos perdidos e achados entre si. Não havia como perder o silêncio da rua. Sozinhos, ainda que juntos.
Então, mediante quaisquer desculpas inocentes – porque a fila para a compra de bebidas se alongava por entre os cantos, porque não havia mais lugar para sentarmos, porque era necessário aliviar a soma de todas as respirações pesadas com o ar puro e gelado – fomos até a rua.
No fundo pretensamente sutil de mim, ainda que soubesse da clareza de todo o não anunciado, já me achava hipnotizada pelos teus olhares, tua roupa, ou tua barba - não procurei descobrir. Desimportante. Tu nunca estiveste tão bonito.
Desculpei-me pelo tanto que poderia ter sido e não foi. Tentei, atropelando qualquer sussurro que tentasse me impedir, gritar, sem limites, o quanto eu queria que tivesse sido. Para o mais além de todas as suposições banais, era o teu aniversário, então eu me encontrava plenamente munida de pretextos sinceros para te desejar sucesso, amor, saúde e olha só, sinto falta de você.
Tudo o que eu queria, afinal, era fazer uma tentativa. Podíamos ter sido grandes, entre cervejas e cigarros, acima de músicas e vozes, resumidos entre corpos e gemidos. Fomos grandes. Enormes entre relances que relembram sábado, e aquela nossa sintonia de sorrir enquanto o outro já começa a remexer sua boca.
Ignorei tudo o que poderia me incomodar, qualquer invenção que repeti incontáveis vezes ser uma barreira, um qualquer quê em que decidi pelo insuportável, ao invés do belo. Apaguei meu passado. Boa noite, prazer em conhecer você. É que eu queria fazer uma tentativa.
Poderia nunca mais te olhar depois daquele dia, nunca mais te ver passando por mim como quem não se importa, nunca mais ouvir tua voz ou expressões engraçadinhas, caricatas, clichês. Poderia esquecer todas as outras vezes, os problemas, os mistérios, os prazeres, anular planos, desejos, promessas, decepções. Para mim, sábado era o suficiente. E eu estava finalmente pronta para começar de novo. Para qualquer risco.
Eu havia buscado entre outro entre - fins, uma possibilidade, mesmo que fraca, mesmo que súbita, impulsiva e desesperada, de me querer novamente. Decidi que me queria, e que podia te querer.
Não era capaz de dizer se te amei ou se tu me amaste, se superamos, em tão pouco tempo, os resquícios de erros mal feitos, descasos irresponsáveis, sinceridades exageradas. Mas era explícita a fé muda, escondida, de que pequenas salvações não merecem desperdício. Havia algo de dois, pacto, liga, sincrônico e sintonizado: nem o quase amor se encontra na esquina.
Sabia não ter sido o suficiente, por jogadas capciosas e estratégias mal-feitas – quase intencionais. Uma menina perdida, sem entender como encontrar no outro o que nem é capaz de anunciar em si. E você foi por nós dois, tentando honestamente, entendendo qualquer língua inventada, idioma feito para não ser entendível.
Então fez-se justiça: minha sina era que recordava apenas do que foi bom. Sei, do alto do que posso chamar de inteligência, que a vida seria mais fria se lembrássemos das coisas ruins. E a despeito se sempre imaginar o frio triste, ainda quando o calor me dói, ardendo ou pulsando, o inverno é mister em carregar paz. Perdida, em uma noite de verão, sarcástica o bastante para trazer-me de volta do sem volta de mim, reapresentando-me uma racionalidade mansa e doce, que já não suportava mais conhecer.
E lembro das coisas boas, pois retalhei meu antigo entre - fins, por mais que o ponteiro tenha girado vezes demais, por mais que meu sorriso não te lembre mais do seu, atrasada eu enxerguei: sinto sua falta.
E não me desespero, mesmo sem coragem ou esperança. Não corro bêbada por saídas, não anulo meus desejos ou enfileiro toda a minha fé atrás de uma segunda chance. Eu não preciso, tenho sábado. E esse foi o meu melhor presente, mesmo o aniversário sendo teu, mesmo com o ridículo domingo, com os novos encontros levianos, pelas esquinas da vida que não ensejam acerto, e sem nenhuma continuação.
Porque eu precisava lembrar, e tentar, e descobrir que você é importante. E você vai ser. Vai ser algo bem forte, e eu vou esquecer-me de todas as estratégias equivocadas, situações criadas, jogos forçados e erros manifestamente explicitados, e lembrar só do que víamos e ninguém mais vai ver. Porque você também fez uma tentativa, quando os ponteiros nem tinham começado a rodar. Porque eu enxergo que nós fomos ótimos, porque sábado foi muito bom.



'e assim, amor meu, soube que fui ferido
e ninguém falava ali senão a sombra,
a noite errante, o beijo da chuva.'

sábado, 6 de dezembro de 2008

a cama fria e só

No fundo ela sabia que iria deixar de se sentir assim, tão suja, vazia, daqui um dia ou dois. Mesmo assim fazia de questão de relembrar detalhadamente todos aqueles momentos, em que seu nojo aumentava a cada toque que doía de tão quente, com aquelas mãos muito feias, onde não o suportava a cada segundo. Ela só conseguia se lembrar, entendendo cada vez menos, o quanto a noite tinha sido boa, antes que começasse a sentir o cheiro insuportável que ele tinha. Havia sido ontem, e aquele cheiro ainda a atormentava, como se quisesse gritar para a casa inteira que ela esteve em cima dele, que ele esteve dentro dela, que eles foram um só.
Aqueles um ou dois dias a estavam deixando louca, ela não comia, dormia, sem sentir o cheiro e depois todo o resto novamente, mas a noite tinha sido muito boa, e ela era muito ruim, ele mais ainda, mas eles tinham sido ótimos. Então ela não entendia. Ela tinha amado tanto aquele perfume e aquele toque e aquela dança entre faces que traduziam exatamente o que eles desejavam ali. Ele queria mais, ela queria também, mesmo sabendo como seriam os próximos um ou dois dias, ela queria porque a dança tinha sido tão boa...
Só que um ou outro estragaram tudo e ela não entendia por que, se tanto eram amigos e conversavam tão naturais e se beijavam assim tão forte, assim tão bom, tudo ficou distante no momento em que as mãos dele se instalaram abaixo de sua cintura. E eles não se olharam em momento algum. Talvez ela tivesse medo de sentir sua própria sujeira antes do tempo imaginado, talvez ele soubesse que não deveria estar ali. Talvez ela tivesse bebido demais, ou ele estivesse com sono, só sei que toda aquela naturalidade virou tão mecânica enquanto eles só olhavam para frente e fingiam sons que no fundo retratavam toda aquela errada falta de prazer. Acho que no fundo um procurou no outro toda a salvação ou perdição que não encontraram. Nunca iriam encontrar.
Ela forçava para que sua cabeça esquecesse tudo aquilo antes que fosse tarde, e não sabia se torcia pra que ele a quisesse ou a esquecesse também. Idealizava segundas chances, mas aquele toque que doía tanto de tão quente trazia outras faces que não as daquela noite, mas que também traduziam perfeitamente o que ela desejava ali. Ela não desejava mais.
Se sentiu com vergonha de si mesma, e com vergonha dele, e mais ainda de tudo aquilo que queria tanto que eles tivessem sido ontem e não foram. E queria voltar a vê-lo sem defeitos pequenos irritantes, bonito e instigante, mas o jeito que ele a olhava já trazia certa irritação. Não havia saída. Agora ela já tinha visto tudo tão de perto, agora mesmo que esquecesse nada seria igual a antes se ele se atrevesse a olhá-la daquele jeito que o transformou em um como todos os outros e seus pequenos insuportáveis defeitos.
E se ele quisesse mais? Aí ela teria que arranjar aquele tipo de desculpas que nunca engana ninguém e eles antes tão amigos iriam passar a meros rostos olhando para frente. Era tão frio olhar pra frente, e ela já não suportaria o fogo do toque, o gelo dos olhos, o interno já petrificado.
Então ela iria inventar bobagens a semana inteira, e quando sábado chegasse novamente trocaria de vida, de cidade, de coração, de telefone. Ela iria empacotar todo aquele ontem em uma caixa bem pequena escura e fria que a fizesse ter muito medo de abrir aquilo de novo, e iria deixar apodrecer em um canto qualquer, com todo aquele cheiro que não a deixava dormir, com toda aquela mão embaixo da sua cintura, com toda a vergonha que não sentiria mais, com todas as memórias sujas que iria esquecer, com toda aquela dança que foi boa demais.


'das estrelas que admirei, molhadas
por rios e rocios diferentes
eu não escolhi senão a que eu amava
e desde então, durmo só com a noite.'