domingo, 7 de dezembro de 2008

we see things they'll never see

Estou sentindo muitas saudades daquele sábado. Ainda que o dia nem estivesse tão feliz – em que pese não chovesse – posto que o calor, em ápice de sua intensidade – fazia a sádica questão de penetrar no mais profundo de cada e todo pedaço de pele sobre mim. Era intenso. E doía.
Ainda assim, o brilho cegante do céu em nada escuro desafiava os olhos mais corajosos. Queríamos olhar, não tínhamos medo. Então saímos em meio à multidão nervosa que se amontoava por dentre os corredores do ambiente lotado. A música, ainda que boa, transcendia o existente lá fora, na grandiosidade de luzes formadas pelos incontáveis pontos perdidos e achados entre si. Não havia como perder o silêncio da rua. Sozinhos, ainda que juntos.
Então, mediante quaisquer desculpas inocentes – porque a fila para a compra de bebidas se alongava por entre os cantos, porque não havia mais lugar para sentarmos, porque era necessário aliviar a soma de todas as respirações pesadas com o ar puro e gelado – fomos até a rua.
No fundo pretensamente sutil de mim, ainda que soubesse da clareza de todo o não anunciado, já me achava hipnotizada pelos teus olhares, tua roupa, ou tua barba - não procurei descobrir. Desimportante. Tu nunca estiveste tão bonito.
Desculpei-me pelo tanto que poderia ter sido e não foi. Tentei, atropelando qualquer sussurro que tentasse me impedir, gritar, sem limites, o quanto eu queria que tivesse sido. Para o mais além de todas as suposições banais, era o teu aniversário, então eu me encontrava plenamente munida de pretextos sinceros para te desejar sucesso, amor, saúde e olha só, sinto falta de você.
Tudo o que eu queria, afinal, era fazer uma tentativa. Podíamos ter sido grandes, entre cervejas e cigarros, acima de músicas e vozes, resumidos entre corpos e gemidos. Fomos grandes. Enormes entre relances que relembram sábado, e aquela nossa sintonia de sorrir enquanto o outro já começa a remexer sua boca.
Ignorei tudo o que poderia me incomodar, qualquer invenção que repeti incontáveis vezes ser uma barreira, um qualquer quê em que decidi pelo insuportável, ao invés do belo. Apaguei meu passado. Boa noite, prazer em conhecer você. É que eu queria fazer uma tentativa.
Poderia nunca mais te olhar depois daquele dia, nunca mais te ver passando por mim como quem não se importa, nunca mais ouvir tua voz ou expressões engraçadinhas, caricatas, clichês. Poderia esquecer todas as outras vezes, os problemas, os mistérios, os prazeres, anular planos, desejos, promessas, decepções. Para mim, sábado era o suficiente. E eu estava finalmente pronta para começar de novo. Para qualquer risco.
Eu havia buscado entre outro entre - fins, uma possibilidade, mesmo que fraca, mesmo que súbita, impulsiva e desesperada, de me querer novamente. Decidi que me queria, e que podia te querer.
Não era capaz de dizer se te amei ou se tu me amaste, se superamos, em tão pouco tempo, os resquícios de erros mal feitos, descasos irresponsáveis, sinceridades exageradas. Mas era explícita a fé muda, escondida, de que pequenas salvações não merecem desperdício. Havia algo de dois, pacto, liga, sincrônico e sintonizado: nem o quase amor se encontra na esquina.
Sabia não ter sido o suficiente, por jogadas capciosas e estratégias mal-feitas – quase intencionais. Uma menina perdida, sem entender como encontrar no outro o que nem é capaz de anunciar em si. E você foi por nós dois, tentando honestamente, entendendo qualquer língua inventada, idioma feito para não ser entendível.
Então fez-se justiça: minha sina era que recordava apenas do que foi bom. Sei, do alto do que posso chamar de inteligência, que a vida seria mais fria se lembrássemos das coisas ruins. E a despeito se sempre imaginar o frio triste, ainda quando o calor me dói, ardendo ou pulsando, o inverno é mister em carregar paz. Perdida, em uma noite de verão, sarcástica o bastante para trazer-me de volta do sem volta de mim, reapresentando-me uma racionalidade mansa e doce, que já não suportava mais conhecer.
E lembro das coisas boas, pois retalhei meu antigo entre - fins, por mais que o ponteiro tenha girado vezes demais, por mais que meu sorriso não te lembre mais do seu, atrasada eu enxerguei: sinto sua falta.
E não me desespero, mesmo sem coragem ou esperança. Não corro bêbada por saídas, não anulo meus desejos ou enfileiro toda a minha fé atrás de uma segunda chance. Eu não preciso, tenho sábado. E esse foi o meu melhor presente, mesmo o aniversário sendo teu, mesmo com o ridículo domingo, com os novos encontros levianos, pelas esquinas da vida que não ensejam acerto, e sem nenhuma continuação.
Porque eu precisava lembrar, e tentar, e descobrir que você é importante. E você vai ser. Vai ser algo bem forte, e eu vou esquecer-me de todas as estratégias equivocadas, situações criadas, jogos forçados e erros manifestamente explicitados, e lembrar só do que víamos e ninguém mais vai ver. Porque você também fez uma tentativa, quando os ponteiros nem tinham começado a rodar. Porque eu enxergo que nós fomos ótimos, porque sábado foi muito bom.



'e assim, amor meu, soube que fui ferido
e ninguém falava ali senão a sombra,
a noite errante, o beijo da chuva.'

Um comentário:

Unknown disse...

ah! o beijo da chuva e nada mais. o beijo da chuva e nada. o beijo da chuva e. o beijo da chuva. o beijo da. o beijo. o............