domingo, 21 de dezembro de 2008

Eu, eu também.

É terrível. A fragilidade de tudo isso, catastrófica. Andei assistindo a alguns filmes depressivos, acho que alguma parte de meu inconsciente precisava vazar por algum canto, borrando meu rímel de uma forma quase poética. Não esperava encontrar medos, angústias, agonia insuportável, coisa não do presente, isso que assusta: possibilidades - que espero, perdidas - do futuro.
Não choro por ti, ou por mim, pelos meus desejos perdidos, meus sonhos que já estão a dormir. Choro pelos outros. Que egoísmo esse o meu, não é mesmo, querer tanto libertar meus demônios, que preciso recorrer aos alheios. Fiquei com um pouco de raiva por isso, ao mesmo tempo em que percebi o quanto estava bonita a imagem do olho borrado no espelho. Patético, essa sensibilidade triste, risível na mais clara tragédia. Juro que se acontecesse algo assim comigo, como no filme depressivo, de ficar presa em meu próprio corpo - sem prazeres carnais, pecados forçados, saídas abertas para recorrer - não suportaria muito. Engraçado que o que me soa mais íntimo desde que respiro seja minha mais cruel prisão. E sei que a de todos.
Talvez por isso o álcool, cigarros, a própria voz pra dividir ou ao menos gritar para um simbólico inseto existente em algum canto. Ninguém sabe conviver consigo. Ninguém quer a demência de si. Todos roboticamente buscando uma suposta auto suficiência que expulsam em cada tentativa de diversão, amizades, controles remotos, música, três dois quatro meia zero sete - deixe sua mensagem após o bip - tu, tu, tu etc.
Porque somos todos burros, burros e cegos, cegos e fracos, de nem tentar entender o que procuramos. Nem ao menos sabemos o que é a busca, só nos move o instinto incessante de buscar. Explica-se aqui, o porquê de esse pavor ser tão risível. Lidamos com a mais descartável e perecível identidade. Nós. Frágeis, terríveis, burros e cegos. E sempre à procura de algo que não reconheceremos quando encontrarmos.
Tudo isso só serviu pra me dividir em dois pedaços, que por sua vez fizeram com que eu me sentisse enjoada, de mim. Fútil, foi a primeira que apareceu. Imatura, a segunda, tentando me acalmar. Humana, a terceira opção, encontrando o mais hipócrita otimismo que devo carregar aqui.
Enfim, fiquei agradecida. Por subir as escadas, pegar meu copo de água, ir ao banheiro sozinha, lembrar que eu também era capaz de tomar banho sozinha e fazer qualquer outra diversão particular sozinha. Sentir dor, estava tão bonito o sentir dor. Adorei o band-aid com aquela cor sem-graça descolando da minha pele. Adorei o corte na minha perna onde fiz questão de passar a mão. Eu podia sentir tudo.
É engraçado como nós mudamos prioridades fixas e concepções universais quando a batida de uma tragédia aparece como uma possibilidade. Pode. Não vai (não se pode esquecer a certeza imutável do poder do pensamento), mas é possível.
Sorri sozinha por poder jogar tudo o que eu penso nesse tictac e não estar limitada às minhas memórias e criações intangíveis. Eu podia fazer o que quisesse, eu estava inteira, e eu conseguia gritar para qualquer inseto que eu ousasse escolher. Essa foi a parte um, a que não me incomodou tanto. Digo tanto, porque é sempre ruim quando a gente percebe que as coisas terríveis são possíveis, mas não é o pior já que ainda não aconteceram.
A parte dois, fútil, imatura e humana, foi que eu não conseguia parar de pensar em ti. E de como é uma grande merda essa necessidade de estar longe para que tu sinta a minha falta, ser ríspida pra que tu exija um beijo – mesmo que não passe do papel, não ligar pra que tu tenha essa vontade. Não sei se fiquei irritada, se era saudade, medo, mas era a tua imagem que vinha na minha cabeça quando eu pensava naquele Pode. Por que não queria meus pais, amigos de anos, atores famosos, ídolos, anjos? Eu te desejava como quem afunda agarrado ao seu último suspiro. Eu ainda precisava de ti. E por mais que lutasse, tentando me prender à minha auto-suficiência expulsa, inventando um motivo para qualquer dessas buscas irritantes, mesmo assim eu estava presa. Eu me sentia - gritando pelos cantos, correndo pelas escadas, servindo minha própria água - completamente paralisada pelos meus sentimentos. E agora tu deves entender por que me senti tão mal. E não quero te contar toda essa história boba para que tu te sintas culpado, ou obrigado a me entender, ou sentir o mesmo que eu. Eu só queria te mostrar o quanto isso é traidor. Meu pensamento, sabe. Ao mesmo tempo em que tu serias meu primeiro pedido de conforto caso eu estivesse paralisada por fora, me faz sentir plenamente imóvel por dentro. E fui capaz de comparar toda essa coisa mágica e cruel que tu faz comigo com uma história terrível de um homem fardado ao destino de seu corpo e sua cama, excluído de qualquer sensação ou comunicação em seu mundo possível. Essa era a parte dois, com sua primeira opção – abandonemos a hipocrisia.
Me faz mal - embora não falsa - minha mente, dividida nesse triângulo básico, mandando o reward e repetindo o ciclo a cada segundo anunciado como significativo. Tristeza, agradecimentos, e como remeter isso a ti. Essa coisa totalmente fora do meu controle de relacionar o mais irrelacionável. Como eu agiria, tu daria uma daquelas gargalhadas bonitinhas, cantaria um daqueles pagodes insuportáveis – que eu tanto gosto, e se eu começasse a sussurrar Caetano sairia a reclamar da minha voz desafinada. Eu pouco me importaria. Estaria hipnotizada pelo desenho da risada, o cheiro, o gosto que ela tinha em minha boca. Cantaria mais. E como ela posso pensar em diversos outros tiques, manias, rotinas, que nem sei se são lembranças escancaradas ou desejos desesperados. Mas existem, dentro de mim. Te olhar não é o mesmo que te lembrar e te inventar. Por isso me desespero ao perceber que de nada adianta minha liberdade física. Estou limitada às minhas memórias e criações intangíveis, presa a minha cama de saudades e meu corpo de criações. E sem conseguir me comunicar com ninguém. Sou paralítica do teu amor. E foi só então que percebi que não chorava pelos outros, ou pelas possibilidades que não irão acontecer. Eu vivo elas, e choro por nós.

'Não muito confuso, assim confrontado com sua explícita incapacidade de lidar com. A palavra não vinha. Podia fazer mil coisas a seguir. Mas dentro de qualquer ação, dentes arreganhados, restaria aquela sua profunda incapacidade de lidar com. Você me ama pelo que me mata. E se apunhalo é porque é para você, para você que escrevo - e não entende nada.'

3 comentários:

P.Z. disse...

"Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.
A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão."

disse...

hoje mesmo li esse trecho do caio no livro 'Você me ama pelo que me mata. E se apunhalo é porque é para você, para você que escrevo.'

(...)Porque somos todos burros, burros e cegos, cegos e fracos, de nem tentar entender o que procuramos. Nem ao menos sabemos o que é a busca, só nos move o instinto incessante de buscar.'

so deep. so beautiful.

Unknown disse...

cara, inefável sensação. esplendoroso.