sábado, 6 de dezembro de 2008

a cama fria e só

No fundo ela sabia que iria deixar de se sentir assim, tão suja, vazia, daqui um dia ou dois. Mesmo assim fazia de questão de relembrar detalhadamente todos aqueles momentos, em que seu nojo aumentava a cada toque que doía de tão quente, com aquelas mãos muito feias, onde não o suportava a cada segundo. Ela só conseguia se lembrar, entendendo cada vez menos, o quanto a noite tinha sido boa, antes que começasse a sentir o cheiro insuportável que ele tinha. Havia sido ontem, e aquele cheiro ainda a atormentava, como se quisesse gritar para a casa inteira que ela esteve em cima dele, que ele esteve dentro dela, que eles foram um só.
Aqueles um ou dois dias a estavam deixando louca, ela não comia, dormia, sem sentir o cheiro e depois todo o resto novamente, mas a noite tinha sido muito boa, e ela era muito ruim, ele mais ainda, mas eles tinham sido ótimos. Então ela não entendia. Ela tinha amado tanto aquele perfume e aquele toque e aquela dança entre faces que traduziam exatamente o que eles desejavam ali. Ele queria mais, ela queria também, mesmo sabendo como seriam os próximos um ou dois dias, ela queria porque a dança tinha sido tão boa...
Só que um ou outro estragaram tudo e ela não entendia por que, se tanto eram amigos e conversavam tão naturais e se beijavam assim tão forte, assim tão bom, tudo ficou distante no momento em que as mãos dele se instalaram abaixo de sua cintura. E eles não se olharam em momento algum. Talvez ela tivesse medo de sentir sua própria sujeira antes do tempo imaginado, talvez ele soubesse que não deveria estar ali. Talvez ela tivesse bebido demais, ou ele estivesse com sono, só sei que toda aquela naturalidade virou tão mecânica enquanto eles só olhavam para frente e fingiam sons que no fundo retratavam toda aquela errada falta de prazer. Acho que no fundo um procurou no outro toda a salvação ou perdição que não encontraram. Nunca iriam encontrar.
Ela forçava para que sua cabeça esquecesse tudo aquilo antes que fosse tarde, e não sabia se torcia pra que ele a quisesse ou a esquecesse também. Idealizava segundas chances, mas aquele toque que doía tanto de tão quente trazia outras faces que não as daquela noite, mas que também traduziam perfeitamente o que ela desejava ali. Ela não desejava mais.
Se sentiu com vergonha de si mesma, e com vergonha dele, e mais ainda de tudo aquilo que queria tanto que eles tivessem sido ontem e não foram. E queria voltar a vê-lo sem defeitos pequenos irritantes, bonito e instigante, mas o jeito que ele a olhava já trazia certa irritação. Não havia saída. Agora ela já tinha visto tudo tão de perto, agora mesmo que esquecesse nada seria igual a antes se ele se atrevesse a olhá-la daquele jeito que o transformou em um como todos os outros e seus pequenos insuportáveis defeitos.
E se ele quisesse mais? Aí ela teria que arranjar aquele tipo de desculpas que nunca engana ninguém e eles antes tão amigos iriam passar a meros rostos olhando para frente. Era tão frio olhar pra frente, e ela já não suportaria o fogo do toque, o gelo dos olhos, o interno já petrificado.
Então ela iria inventar bobagens a semana inteira, e quando sábado chegasse novamente trocaria de vida, de cidade, de coração, de telefone. Ela iria empacotar todo aquele ontem em uma caixa bem pequena escura e fria que a fizesse ter muito medo de abrir aquilo de novo, e iria deixar apodrecer em um canto qualquer, com todo aquele cheiro que não a deixava dormir, com toda aquela mão embaixo da sua cintura, com toda a vergonha que não sentiria mais, com todas as memórias sujas que iria esquecer, com toda aquela dança que foi boa demais.


'das estrelas que admirei, molhadas
por rios e rocios diferentes
eu não escolhi senão a que eu amava
e desde então, durmo só com a noite.'

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